“Não se nasce mulher, torna-se mulher”Simone de Beauvoir Chegámos aos 30. Celebra-se mais um ano de vida, juntamos a família e os amigos mais próximos, canta-se os parabéns, sopram-se as velas e pede-se um desejo. “O que vou desejar para este ano? Quais são os meus verdadeiros objetivos? O que é que EU quero atingir?” – pergunta-se a personagem desta história, personagem que existe dentro de tantas mulheres que chegadas aos 30 começam a ser constantemente questionadas sobre o matrimónio e os filhos. “Então e quando é que vêm os filhos?” |
E de facto, reduzir a experiência da maternidade a questões biológicas é desconsiderar a identidade da mulher e toda a complexidade que a acompanha. O que queremos nós? Queremos ser mães? Quando? Porque é que tem de ser agora? O que é que isso implica? Como conseguirei compatibilizar o meu trabalho com o ser mãe? |
Várias são as perguntas que surgem, legítimas, perfeitamente válidas. Mas vamo-las guardando só para nós. Como podemos desabafar e partilhar as nossas dúvidas com quem nos questiona “quando vem o bebé?”?. Sentimo-nos presos dentro dos nossos próprios pensamentos, com medo de ser julgados, na terrível incerteza sobre como vão os outros reagir quando eu disser que tenho dúvidas sobre algo que parece ser o esperado.
Serei menos mulher por não querer ser mãe, para já, ou mesmo nunca?
Na verdade, vários são os estudos que nos indicam que ainda se verificam muitos estigmas sobre a mulher que decide adiar os seus planos de ser mãe. Como que um preconceito ao “negar a sua condição”. Egoístas, por vezes é a palavra que se pode ouvir quando alguém decide não querer ter filhos. Mas será que desejar o melhor para nós mesmos deve ser automaticamente rotulado como egoísmo? Desejar ser feliz e usufruir da própria vida, sem filhos, deverá ser olhado com desdém?
A partir do século XIX, a mulher passa a ser elevada e reconhecida, adquirindo maior valorização social. A maternidade passa a ser concebida como uma das escolhas disponíveis à constituição feminina, uma opção que emerge associada a outros projetos pessoais, como a sua realização profissional, a independência económica e o livre exercício da sexualidade.
Pensar na maternidade implica pensar nas características sociais em que vivemos.
Após a Revolução Sexual, a mulher ganha uma nova visão de si própria, ganha coragem de assumir outros papéis, outras identidades, surgem novos desejos e a possibilidade de se questionar sobre o que quer ser. Assiste-se, cada vez mais, a uma transformação do papel feminino. A mulher, antes apenas vista como esposa e mãe, tem agora uma participação e uma importância social. Tem agora nas mãos a possibilidade de optar quanto a ser mãe. A sua vida sexual pode acontecer livremente, sem o fantasma de uma gravidez indesejada. E é desta forma que tudo se transforma. É quando as mulheres passam a controlar a sua própria reprodução, através da introdução dos métodos contracetivos, que a maternidade se torna uma escolha, emergindo novos significados acerca do que é ser mãe. |
Ter filhos ou não, quantos ter, programar quando os ter, passa a ser possível e vai-se tornando uma possibilidade cada vez mais acessível, disponível a todos. Dá-se à mulher a oportunidade de decidir e controlar a sua própria vida, nomeadamente no que se refere à reprodução: planear uma gravidez, evitá-la ou, mais recentemente, interrompê-la em liberdade, associados a uma autonomia feminina conquistada.
Fará assim sentido pensar no ser mulher como uma construção social, em que nos dias de hoje, talvez esteja a passar por um momento de transição em que o modelo tradicional, que via a maternidade como condição obrigatória, vem sendo, aos poucos, substituído por um modelo mais atual, no qual a mulher pode ser definida também como mãe ou, ainda, no qual a maternidade não é uma condição necessária para se definir a mulher. Talvez se possa desta forma olhar para a maternidade, aos dias de hoje, como um projeto, como uma opção pessoal, ficando para trás a ideia de que a maternidade seria um definidor da identidade feminina, como destino obrigatório de todas as mulheres.
E quando ambicionamos ser mães e ser, em simultâneo, profissionalmente bem sucedidas?
A crescente presença da mulher no mercado de trabalho faz com que o projeto de ser mãe seja muitas vezes adiado. Adiado para depois de se estabilizarem financeiramente, focadas em solidificar a carreira, obter sucesso profissional. Procura-se autonomia, independência profissional e financeira, tendo como consequência, o adiar ou mesmo rejeitar dos desafios da maternidade.
No entanto, o período para uma mulher engravidar é biologicamente definido e obriga-a a ter de tomar uma decisão sobre este assunto numa altura da vida em que estará concentrada noutros objetivos, como a carreira. Pensar em abdicar disso antes dos 40 anos pode não fazer sentido, mas ao mesmo tempo sabemos que quanto mais adiado for o projeto da parentalidade, mais difícil ele se tornará.
Percebemos que existe uma coincidência entre os melhores anos na vida da mulher para a construção e consolidação de uma carreira e os melhores anos para que ela tenha filhos. Serão projetos incompatíveis? O que escolher?
Esta é uma resposta que terá de procurar dentro de si, lembrando-se que as regras não existem, cada casal, cada mulher dita as suas. O assunto é demasiado íntimo para ser decidido ou vivido segundo o que terceiros nos digam. E por vezes recorrer a ajuda profissional, livre de julgamentos e preconceitos, pode ser uma forma de vos ajudar a refletir, pois se a mesma não for devidamente analisada e desconstruída, pode ser bastante angustiante. Ao atribuirmos um significado à nossa representação de parentalidade, em função do contexto sociocultural em que vivemos, podemos, em consulta, ajudar tanto homens e mulheres que se tornam pais e mães a compreender que os seus papéis podem reproduzir modelos antigos ou abrir novas possibilidades, na tentativa de se libertarem destas influências. |
Ser mãe ou pai implica uma responsabilidade enorme, disponibilidade, espírito de sacrifício, tempo, alterar prioridades e abdicar da nossa vida como a conhecemos. E nem todos têm de estar disponíveis para este nível de exigência e não existe nada de errado com quem não tem essa disponibilidade.
Concluo que podemos ser aquilo que quisermos, tornarmo-nos na mulher que quisermos e talvez seja exatamente esse um dos nossos principais papéis, contruir outras “fórmulas” de ser mulher, coexistentes com mulher = mãe na atualidade. Assim, o ser mulher hoje pode e deve ser encarado com a possibilidade de encarnarmos novos papéis sem, contudo, abrir mão da maternidade.
E por isso, sendo esta uma reflexão feita a partir de dúvidas, deixo-lhe um desafio:
Como se imagina daqui a 20 anos, já com uma relação longa, já com uma carreira estabilizada, com a casa e o carro comprados e com outros tantos objetivos alcançados? Será que nessa altura desejaria ter sido mãe?
Percebo que este seja um exercício difícil, que possa estar a pensar que não tem consigo uma bola de cristal que lhe permita adivinhar o seu futuro. Porém, o que se pretende é que possa refletir que há fases na nossa vida que são transitórias e que há decisões que, quando tomadas, são irreversíveis. Os filhos ou a maternidade configuram uma entre muitas possibilidades que surge ao longo do percurso da vida de uma mulher. Uma possibilidade, nem mais nem menos. É algo que as mulheres têm o direito de decidir. Uma possibilidade que, como nenhuma outra, define irreversivelmente um percurso de vida. |
Se tem dúvidas, se se sente perdida, ambivalente, indecisa sobre o seu futuro e o que fazer, desafio-a a que faça duas listas. Comece por enumerar alguns motivos pelos quais deve decidir não ter filhos. Agora, ao lado, enumere alguns motivos para optar por ter filhos. Qual das duas listas foi mais fácil de elaborar? E qual aquela que reuniu mais argumentos?
Podem ser diversas as motivações que sustentam a decisão de não querer ser mãe: a instabilidade financeira e profissional, a dificuldade a nível da conciliação família-trabalho, a falta de apoios sociais ou a instabilidade da relação conjugal. Estes podem ser apenas alguns fatores com influência no momento de tomada de decisão. Porém, nas listas que elaborar é normal que perceba que os motivos para não ter filhos são muito mais óbvios e racionais, enquanto os motivos para ter filhos se tornam mais difíceis de identificar, pouco claros e isso tem a ver com o facto de serem muitas vezes motivos mais emocionais do que racionais e tudo o que é emocional torna-se mais difícil de identificar e verbalizar.
Lembrete: Nada deve ser feito porque os outros o dizem ou fazem. Se sente que está a ser difícil para si assumir a sua identidade, tomar uma decisão, seja ela qual for, estou aqui para si. Para a escutar, amparar e ajudá-la a refletir para que possa aprender a melhor lidar com os sentimentos decorrentes de qualquer que seja a sua escolha.
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AUTORA:
Dra. SARA LOIOS
Psicóloga Clínica, Coach, Mestre em Terapia Familiar e de Casal. Membro Efetivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses.
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